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Desperdício Zero e Veganismo: como esses dois movimentos estão interligados?

Desperdício Zero e Veganismo: como esses dois movimentos estão interligados?

O que é o movimento Desperdício Zero e qual seu objetivo?

Já se perguntou para onde vai o nosso lixo? Atualmente, na maior parte dos países, os descartes são tratados como lixo e são direcionados para aterros sanitários, lixões, rios e oceanos. Por consequência, ocorre a contaminação do solo, lençóis freáticos, inutilização de áreas públicas, emissão de gases de efeito estufa, poluição do ar, ingestão de microplástico por animais e esgotamento de recursos naturais.

Lixão da Estrutural – o maior lixão da América Latina é no Brasil (foto Metrópoles)

O movimento Desperdício Zero se baseia na redução máxima da produção de lixo. Dentro de uma esfera micro, temos exemplos de pessoas que mudam seus hábitos de consumo e por consequência de descarte. Ao recusar descartáveis, plástico, aderir a produtos biodegradáveis e reutilizáveis e praticar a compostagem, os adeptos do movimento reduzem drasticamente a quantidade de lixo produzida no dia a dia.

Aterro Sanitário de Curitiba, ou uma área desmatada para enterrar lixo de forma regular (foto site prefeitura de Curitiba)

Já numa esfera macro, entram os conceitos da economia circular, outra vertente que anda lado a lado com o Desperdício Zero. Nesse aspecto, empresas adaptam o design e o material de seus produtos para terem baixo impacto, enquanto que nas produções de larga escala, os esforços se voltam para melhor uso dos recursos, e redirecionamento da sobra dos insumos, de modo que, ao máximo possível, nada tenha o aterro sanitário como destino final.

Origem do movimento

A partir da década de 50 a indústria petroquímica fez esforços para incorporar o plástico em bens de consumo, o que deu início a era dos descartáveis e itens de uso único, impulsionando a quantidade de lixo gerada. No decorrer das décadas seguintes, os movimentos ambientalistas chamaram atenção para essa problemática e o conceito dos 3R (reduzir, reutilizar, reciclar) foi concebido como propulsor da sustentabilidade.

Publicidade da empresa Bethlehem Steel na década de 50, indicando substituir vidros retornáveis e sacolas de papel (biodegradáveis) por plástico descartável. Era comum explorar a imagem da mulher, insinuando que o plástico economizava tempo e fazia parte da vida da mulher moderna. (imagem Hoffpost)

A origem do movimento está diretamente ligada aos esforços de ativistas ambientais no final da década de 60. Altos índices de poluição e eventos específicos como o derramamento de petróleo impulsionaram grupos ambientalistas a protestarem nas ruas dos Estados Unidos, dando origem ao famoso Dia da Terra (Earth Day) em 1970.

O termo Zero Waste (original em inglês) provavelmente foi utilizado como conceito pela primeira vez em 1988 na publicação intitulada “Total Recycling, Realistic Ways to Aproach de Ideal” (Reciclagem Total, formas realistas de alcançar o ideal), de Daniel Knapp e Mary Lou Van Deventer, que também desenvolveram um diagrama de 12 tipos de descarte, com objetivo de direcionar a gestão de resíduos para o desperdício zero.

Em 2002, um grupo de representantes da indústria da reciclagem e de entidades ligadas aos conceitos de sustentabilidade nos Estados Unidos fundou a Zero Waste Alliance.

Já em 2010, a francesa radicada nos Estados Unidos, Bea Johnson, publicou seu livro “Zero Waste Home” e fundou um novo conceito de 5R (recusar, reduzir, reutilizar, reciclar e compostar). Uma matéria no The NY Times, aliada ao compartilhamento nas redes sociais, levou a público seu estilo de vida e inspirou uma série de pessoas a adotarem o zero waste em suas vidas.

Por que devemos apoiar o movimento Desperdício Zero e qual a sua intersecção com o Veganismo?

Na natureza, nada se desperdiça, não existe o conceito de lixo. As folhas das árvores não secam e caem à toa. Tudo tem um propósito e finalidade, tudo é cíclico, integrado e circular. A Terra dá conta de tudo que dela vem. Não se trata de uma visão romântica, mas sim de fatos concretos (com comprovação científica, para aqueles que necessitam desse tipo de validação). Então, por que não nos inspiramos nos sistemas ecológicos para o desenvolvimento da sociedade moderna? Por que existe poluição e por que milhões de toneladas de lixo são produzidas, despejadas e enterradas, anualmente, no meio ambiente?

Mercados à granel são uma ótima forma de democratizar o alimento, reduzir a quantidade de plástico das embalagens e favorecer os produtores. Podemos levar nossos próprios potes ou saquinhos reutilizáveis, para evitar plástico descartável e comprar a quantidade certa de alimento, evitando desperdícios. (foto Uk Pos)

Em uma análise mais profunda, podemos identificar que a produção de lixo tem estreita relação com o sistema capitalista, linear, racista e especista no qual vivemos e que trata o planeta e os seres vivos como uma fonte inesgotável de recursos, em prol do lucro daqueles que querem oprimir.

Todos os anos, milhares de animais morrem por asfixia ou com pedaços de plástico em seus estômagos. Além disso, os primeiros a serem afetados diretamente pelo problema do lixo são povos originários, grupos racializados e marginalizados em todo o mundo.

Se examinarmos mais atentamente o movimento Desperdício Zero, identificamos três camadas de impacto. Em uma primeira camada, acontece a transformação do olhar das pessoas e o estímulo da mudança de comportamento de consumo. Combatemos o consumismo exagerado, passamos a entender nossas necessidades reais, a dar mais valor e cuidar mais daquilo que possuímos, além da reaproximação da natureza.

Em uma segunda camada, o uso de produtos biodegradáveis, alimentação natural e local, adoção da compostagem e a diminuição do uso de itens plásticos e/ou descartáveis, resultam em menos lixo e poluição. Paralelamente, tais atitudes aumentam a demanda e estimulam o desenvolvimento de produtos e serviços com baixo impacto ambiental, recicláveis, biodegradáveis, retornáveis, reutilizáveis e dentro de uma cadeia de produção circular. No entanto, sabemos que as mudanças reais acontecem nas estruturas e que a responsabilidade não pode cair somente nas costas dos indivíduos e pequenos produtores.

A terceira camada de impacto é a mais desafiadora. Consiste na luta por legislação e por justiça socioambiental. Não é suficiente recusarmos copos descartáveis de plástico, enquanto as empresas continuarem a vender itens em embalagens plásticas não recicláveis. Não é suficiente separar meu lixo em casa, se não há um gerenciamento público e adequado de descartes. Não é suficiente usarmos produtos biodegradáveis, enquanto as indústrias despejam litros de químicos no esgoto e rios todos os dias. Enquanto as empresas, indústrias e os governos não se responsabilizarem por mudanças estruturais e sistêmicas, nossos esforços se tornam uma utopia inalcançável.

O Desperdício Zero e o Veganismo estão interligados pelo reconhecimento do direito à vida. Seres humanos e não humanos têm o direito de viver em um ambiente saudável e despoluído. Poluição também é uma forma de opressão, principalmente para aqueles que não conseguem se defender dela. Vale observar que, assim como no Veganismo há uma linha liberal, no Desperdício Zero também há adeptos que não aprofundam as questões e acabam se relacionando de forma rasa com a causa, dando continuidade, mesmo que de forma inconsciente, aos processos capitalistas e de greenwashing.

Como podemos apoiar?

Conheça os adeptos do movimento e indique-os para marcas que buscam soluções mais ecológicas para seus produtos e serviços. A rede é grande e existem profissionais que trabalham com transições ecológicas. Indique representantes do movimento para darem palestras em empresas, no terceiro setor e em escolas. Fique de olho em petições ambientais e ligadas aos temas do saneamento básico. Saiba para onde vai o seu lixo e entenda a quem está afetando diretamente. Conheça as cooperativas de catadores da sua região. Ative a coleta seletiva ou organize um abaixo-assinado para ter esse serviço em sua cidade/condomínio. Reveja seu consumo, analise seus descartes e busque por soluções, dentro da sua realidade, que gerem menos lixo no dia a dia.

Texto: Karin Rodrigues é especialista em sustentabilidade, adepta do movimento Desperdício Zero e autora do blog Por Favor Menos Lixo www.porfavormenoslixo.com.br

Fontes:

Post sobre a origem do movimento zero waste, Zero Waste Home

História do Dia da Terra

História do Zero Waste Alliance

Biografia de Daniel Knapp

Artigo sobre justiça socioambiental e tratamento de descartes em Lixão na Índia, Open Edition Journals

Artigo “População negra é a mais atingida pela falta de saneamento básico”, Jornal O Tempo

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